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7 de maio de 2012

Notas de Leitura do conto "As Babas do Diabo", de Julio Cortázar

por Hugo Otávio Cruz Reis

1|Dados indicativos

 
Título da fonte: “As babas do diabo”. 
In: As armas secretas.
Autor:  Julio Cortázar
Editora: José Olympio
Edição, ano: 3ª ed. 2001
Páginas: 168


2|Dados informativos


Resumo:
Num dia de domingo, Michel, fotógrafo amador franco-chinelo, desce as escadas de sua moradia para ir ao encontro de uma cena, uma cena singular em meio ao temporal de outras tantas. E ela não demora a acontecer. Sentado em um parapeito, o fotógrafo vê diante de seus olhos a cena esperada se compor, gradativamente, na pessoa de um colegial e uma jovem moça enamorados. É então que, com um clique, Michel capta mais cenas do que poderia realmente processar.

Dados biográficos do autor:
Julio Cortázar (1914-1984) nasceu em Bruxelas, mas passou boa parte da sua vida em Buenos Aires, de onde só se mudou após Perón assumir o governo argentino. Ao deixar o pais, em 1951, Cortázar passou a viver na França, onde trabalhou como tradutor independente da UNESCO e pôde se dedicar ao aperfeiçoamento de sua escrita, desenvolvendo especialmente sua habilidade como contista.
A vasta experiência literária do autor marcou a Literatura Argentina e reconfigurou a literatura latino-americana a partir do denominado “Realismo fantástico”, fenômeno que promoveu o boom da Literatura Latino-Americana em 1970, com autores  como José Lezama Lima,Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa.

Recursos do estilo criado pelo autor:
Sobressaem-se na narrativa de Cortázar uma melancolia poética, que adorna as passagens do texto com uma maturidade reverenciável, e uma agilidade infatigável, desenvolvida para simular a velocidade das conexões entre os fatos e hipóteses estabelecidos pelo narrador.
Cortázar, assim, desenvolve seu conto a partir de uma narrativa multi-discursiva. Tal propriedade é devida tanto pela alternância recorrente entre passado e presente como também pelo revezamento das vozes do texto (primeira, segunda e terceira pessoas), o que acaba por legitimar a hesitação inicial do “narrador-escritor”, indeciso sobre qual voz narrativa acatar.
Nessa história impetuosa, o leitor é tomado de assalto pela ocasional interferência de ruídos do exterior no espectro interno do conto, como, por exemplo, a passagem de uma ave ou a aparição de uma nuvem. A disposição de tais elementos no texto são caracterizados tanto por uma dimensão simbólica, de acordo com a qual cada signo tem um correspondente significado a ser decifrado com o decorrer da leitura, assim como uma dimensão referêncial, aludindo à posição do leitor em relação ao texto e à simultaneidade dos acontecimentos presentes com os passados, que se encontram na plataforma da narrativa.

Observações sobre procedimentos de elaboração da linguagem da obra:
O narrador criado por Cortázar nos é apresentado como um ser movido por uma vontade, um desejo dilacerante, porém obscuro, de relatar um determinado acontecimento, com o intuito de não deixá-lo se perder entre outros fatos empoeirados pelo tempo. A partir desse impulso, o relato se desenvolverá num viés bastante imagético, no qual a linguagem é trabalhada para apresentar-se ao leitor de um modo quase tangível, devido ao enfoque poético-imagético das cenas apresentadas.
Na sequência, enquanto os procedimentos de elaboração da linguagem tendem a capturar os pensamentos instantâneos que transpassam a mente do narrador, o narrador é tomado de assalto por formulações metalinguísticas que o conduzem a refletir sobre o ato de contar uma história, isto é, sobre a essência da narratividade. Nesse sentido, há uma exploração das limitações da escrita em primeira pessoa ao tecer grandes panos de conjecturas sobre as cenas que enxerga e pensamentos que transitam em sua mente.

Citações ou partes exemplares mais importante:
Mas de bobo tenho apenas a sorte, e sei que se eu for embora, esta Remington ficará petrificada sobre a mesa com esses ar de duplamente quietas que as coisas móveis têm quando não se movem.

Levantei a câmara, fingi estudar um enquadramento que não os incluía, e fiquei na espreita, certo de que enfim os apanharia no gesto revelador, a expressão que resume a tudo, a vida que o movimento mede com um compasso mas que uma imagem rígida destrói ao seccionar o tempo, se não escolhemos a imperceptível fração essencial.

Contexto social e histórico do tema referido no texto lido:
Embora não explícitos, o contexto sócio-cultural e histórico nos quais se processam o conto podem ser depreendidos a partir da relação de significado estabelecida por alguns elementos textuais, como a máquina de escrever, que situa os acontecimentos narrados num período anterior à popularização dos computadores, inserindo o conto num contexto que antecede a tecnocracia de nossos dias, e sugere uma espécie de relação com a escrita diferente da que vivenciamos em nossa época.
Além disso, o conto “As babas do diabo”, sobretudo, carrega noções morais e sociais não só presentes como constantes em nossa sociedade, a saber, o que se observa nas ações e reações do fotógrafo diante da cena intimista protagonizada por um colegial e uma jovem mulher.

Situar a obra ou o texto lido entre outras produções do mesmo autor:  Famoso por seus contos, nos quais o real é simulado a partir de elementos do universo fantástico, Julio Cortázar possui uma bibliografia abundante que incluí títulos como o celebrado romance Jogo de Amarelinha, construído para uma leitura interativa, História de Cronópios e fantamas e a coletânea Bestiario.

O autor e seus contemporâneos:
O Realismo fantástico marcou a Literatura do séc. XX na América Latina. Dentre os escritores que partilham dessa vertente com Cortázar estão García Márquez, Vargas Llosa Alejo Carpentier e Roberto Bolaño.

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